Lusitânia dos Flávios: a propósito de Estácio e das Silvas

RAZÕES DE SER PARA UMA EXPOSIÇÃO

A exposição internacional “Lusitânia Romana. Origem de dois povos / Lusitania Romana. Origen de dos pueblos” patente ao público no Museu Nacional de Arqueologia durante 2016, foi um momento especial para apresentar genericamente, mas de forma renovada, a Lusitânia Romana através de uma selecção de bens culturais de Museus de Portugal e Espanha com reconhecido potencial documental, científico e artístico. Numa exposição que reunia materiais enquadrados num arco temporal de cerca de 800 anos, naturalmente que nenhum período específico da História do Império Romano no extremo ocidente peninsular poderia ser abordado em detalhe.

Com o anúncio da realização na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa do Seminário Internacional de filologia “Editing and Commenting on the Silvae” organizado pelo Centro de Estudos Clássicos, estava criado o pretexto para concretizar, de forma colaborativa, uma exposição-dossiê no Museu Nacional de Arqueologia que cruzasse a nossa leitura dos cinco livros de poesia, as Silvas de Estácio (Nápoles, 45-c. 96), com os vestígios materiais recolhidos em território nacional que remetem para o tempo da Dinastia Flávia – Vespasiano, Tito e Domiciano -, que governou Roma e em todo o Império entre 69 e 96 d.C.

Assim nasceu o conceito. A exposição construiu-se então a partir de uma selecção do acervo do Museu Nacional de Arqueologia, do Museu da Fundação Cidade da AMMAIA, do Museu Municipal de Sines e da Solubema – Empresa Transformadora de Mármores do Alentejo.

O corpus da exposição é constituído por 27 bens arqueológicos que, de alguma forma, coincidem cronologicamente com o período dos Flávios. Nem todos, porém, coexistem com esta dinastia nesse curto espaço de 27 anos. Outros vestígios há, de outros tempos, que ligam e materializam os temas tratados por Estácio nas suas originais Silvas. Nelas se faz a descrição apologética das villae, que levam a cidade para o campo, se apresenta a lista dos tipos de mármores, revestimentos imprescindíveis e eternos, se fala da atracção de Roma pelo Egipto, ou se chama a atenção para o esplendoroso rio que brilha de tanto ouro, o Tejo. Ou mesmo, ainda, se insinua a identificação de Domiciano, dedicatário de várias Silvas de teor encomiástico, com Hércules. Perante a fonte, desafiámo-nos a tornar tangíveis as palavras, escolhendo os materiais que a pudessem materializar, ilustrar e valorizar, mantendo e alimentando o fio condutor criado.

A relação desta dinastia com a comprovada renovação urbanística das cidades da Lusitânia não foi esquecida na exposição. Tal é sinalizado, designadamente, pela apresentação do togado inacabado proveniente da pedreira romana da Herdade da Vigária (Vila Viçosa), que assim se apresenta pela primeira vez, em Portugal, no lugar certo – ou seja, em ambiente museológico.

Da reserva do Museu Nacional de Arqueologia emerge um acervo que nos últimos anos não tem estado à vista de todos, e que assim se valoriza, ao mesmo tempo que permite ao público aperceber-se da dimensão, variedade e importância das colecções únicas do Museu.

Da cidade romana da AMMAIA mostra-se também um pequeno bronze figurativo de um Hércules, com feições de jovem, e que foi recentemente exumado nas escavações arqueológicas em curso. Do Museu Municipal de Sines junta-se um conjunto de moedas da colecção reunida por José Miguel da Costa. A exposição oferece, pois, ao visitante, como linha condutora, o universo temporal e material do tempo dos Flávios corporizado na temática das Silvas. O espólio seleccionado foi agrupado em núcleos para facilitar o estabelecimento da relação com o texto de Estácio. O principio orientador da exposição coaduna-se, pois, com a perspectiva que dá nome à área do Centro de Estudos Clássicos que a promove: Textos e Contextos.

A exposição, promovida no âmbito de um seminário internacional que reúne reputados filólogos dedicados a Estácio e às Silvas, é inaugurada no âmbito do programa, no segundo e último dia de trabalhos, mas ficará à disposição de todos os que visitem o Museu Nacional de Arqueologia nos próximos meses.

Palavras de agradecimento são devidas a um conjunto de entidades que, respondendo ao desafio lançado pelo Museu Nacional de Arqueologia e pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, se associaram para levar a bom termo uma ideia. À Fundação Cidade de AMMAIA, à Câmara Municipal de Sines/Museu Municipal de Sines, e à Solubema (designadamente a Vasco Osório de Barros), entidades que cederam bens arqueológicos. À Lusitania Seguros, mecenas institucional da Direção-Geral do Património Cultural, que garante os seguros dos bens. À Associação Portuguesa dos Controladores de Tráfego Aéreo e ao Sindicato dos Controladores de Tráfego Aéreo, pelo patrocínio dado à exposição.

Um grupo de técnicos do Museu Nacional de Arqueologia realizou um caminho partilhado com o Comissariado Científico para materializar esta ideia. Maria Amélia Fernandes preparou a informação para as fichas do catálogo, pelo que, com Luísa Guerreiro, Luís Antunes e Paulo Alves, foi fundamental na preparação do corpus expositivo e em todos os processos afins. É da autoria de Ricardo Pereira o projecto museográfico, que João Camacho e as Ilusões da História concretizaram. Paulo Pereira concebeu o material gráfico. A todos cumpre-nos agradecer.

Esta exposição é também um testemunho vivo do bom ar institucional, académico e científico que se respira nas instituições envolvidas, que possibilitou, de forma rápida e espontânea, a constituição de um comissariado científico inter-institucional que, com distintas visões e perspectivas, enriqueceu a proposta expositiva que se apresenta para também oferecer ao visitante um itinerário flávio em Portugal.

Lisboa, 2 de Março de 2017.

António Carvalho
Director do Museu Nacional de Arqueologia

Carlos Fabião
Director da UNIARQ – Centro de Arqueologia, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa

Ana Lóio
Investigadora do Centro de Estudos Clássicos, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa

Catarina Viegas
Investigadora da UNIARQ – Centro de Arqueologia, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa


Ficha técnica